Crass / Poison Girls - Bloody Revolutions / Persons Unkown
- André X
- 18 de mar. de 2018
- 3 min de leitura
Quando falamos do Crass, falamos de unir teoria com a prática anarquista. Não podemos ficar presos na análise musical, se existe o anarco-punk, a banda fundadora, que plantou a primeira semente foi o Crass. Defenderam todas as causas possíveis, do ponto de vista anarquista, sem se comprometer com ideologias de esquerda ou direita. Direitos dos animais, da livre escolhe, feminismo, pacifismo, anticapitalismo, pense numa causa, o Crass contribuiu, seja com canções, seja doando dinheiro, seja participando de demonstrações.
Eles tinham um selo próprio, pelo qual lançavam seus discos e de outras bandas com a mesma filosofia. Uma dessas bandas eram as Poison Girls, liderados pela vocalista Vi Subversa, em 1978, com 40 anos de idade e mãe de dois filhos, a tornando a punk mais velha na cena punk inglesa (mundial) à época. Isso só vem a mostrar o quão fora do padrão eram os anarco-punks. Aceitavam todos, independentemente da idade, gênero, raça ou crença – desde que seguissem a filosofia anarquista. Muitos já foram expulsos da comunidade e banidos da gravadora por flertar com o mainstream, por exemplo, ou comer carne, ou usar botas de couro.

Muito comum nesse biênio eram os lançamentos de compactos de duas ou mais bandas. Chamavam isso de Split Singles, ou seja, compactos divididos, compartilhados, geralmente com uma música de um grupo em um lado, e do outro no lado B. Era um jeito de lançar discos para quem tinha pouco dinheiro, ou, para um selo pequeno, mostrar dar vazão ao seu catálogo de forma mais eficiente (menos custo, mais exposição).

1978 é o ano que o Crass lançou o meu Split favorito, junto com as Poison Girls. No lado, o que muitos consideram o Bohemian Rapsody do anarco-punk, com mais de 6 minutos de duração, a obra prima Bloody Revolutions. A canção tem 5 partes, que se complementam, levam o ouvinte por uma viagem antiviolência, tendo como pano de fundo as revoluções históricas. Conforme a visão anarquista, toda revolução, não importa se de direita ou de esquerda, sempre é propagada em nome do povo, que é justamente quem mais sofre uma vez que o novo regime se apodera do país. Eles são contra o derramamento de sangue, mudança tem que vir por meio da resistência pacífica.
Bloody Revolutions começa com um rádio sendo sintonizado até entrar la Marseillaise, o hino da França, liga à revolução francesa, que passa a ser a harmonia principal da música, unindo todas as partes. Em seguida, um punk básico com o Steve Ignorant soltando toda verborragia punk anarquista, destruindo a lógica das revoluções. Quando o ouvinte já está questionando tudo, desde a revolução francesa, até a cubana, o tom muda com a entrada de uma guitarra mais harmônica e a fantástica Eve Libertine nos agracia com sua voz e deboche de revolucionários famosos. A música termina nos lembrando que toda revolução termina com o Ano Zero, fazendo alusão ao Khmer Vermelho do Pol Pot, na Cambódia, e seu extermínio de mais de 2 milhões de pessoas. Muito impactante e merece ser ouvido e divulgado nessa época polarizada na qual vivemos. Ouçam a música e leiam as letras, aqui:
Mas, para mim, o Split brilha mesmo virando o disquinho, quando ouvimos Persons Unkown, das Poison Girls. Uma mensagem simples e dura: quando ficamos isolados, na nossa, sem participar, sem opinar, sem se importar; quando permanecemos somente números, somente pessoas desconhecidas, o sistema sempre vence. A frase “Survival in silence/ Isn't good enough no more” (sobrevivência em silêncio não é suficiente hoje em dia) é uma das minhas favoritas de todo o movimento punk. Os últimos acontecimentos em nosso país provam isso. A música é um contraste com o lado A do Crass, dá vontade de ignorar o chamado pacifista de Bloody Revolutions e sair pras ruas.
Complementando a incrível e forte música e mensagem que esse compacto nos traz, como todo lançamento do Crass, ainda somos brindado com uma capa que se desdobra num pôster com a maravilhosa arte política do grupo, que usava colagens e grafite. Tenho certeza que o Bansky se inspirou na arte do Crass na sua criação. No caso deste disco, pegam uma foto famosa dos Pistols e mudam as cabeças dos músicos. No lugar do Rotten, Vicious, Steve Jones e Paul Cook, temos a Rainha da Inglaterra, a Justiça, o Papa e a Thatcher, simbolizando tudo que eles repudiam: governo, justiça, realeza e religião.

Não tenho mais esse disco, dei de presente para o André Pretorious quando ele foi convocado para o exército sul-africano. Achei um presente apropriado, para ele se motivar a voltar logo e sempre lembra-lo de qual lado deveria estar.
E olhe quanta informação vem com um simples sete polegadas! Isso não é comércio de música, isso é ativismo no seu melhor.

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