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Kleenex - You/Ü

  • Foto do escritor: André X
    André X
  • 30 de mar. de 2018
  • 3 min de leitura

O punk quebrou os estereótipos musicais, especialmente em termos de gênero e opção sexual. Muitos apontoam para o punk como responsável - ou pelo menos catalizador - da terceira onda de feminismo. Antes de 1977, com raríssimas exceções, rock n roll era território não só masculino, mas machista. Testosterona reinava nas letras, na atitude e no trato. No pop, não bastava mulheres terem talento, tinham que ser sexys, explorar o imaginário masculino. Com o punk, isso acabou. Mulheres como Ari Up, das Slits, Poly Styreve, do X-Ray Specs, Siouxsie e Beki Bondage são grandes exemplos. Competiam pau-a-pau (será que posso usar esse termo nesse texto?) com os músicos.


Esse ar libertador chegou à Suíça em 1978, incentivando quatro meninas a pegarem seus instrumentos e começarem a tocar. Formaram uma banda, chamada Kleenex, e compuseram quatro músicas. O show era isso, repetir as quatro músicas até acharem que o público já estava satisfeito e sair do palco. Eram musicalmente limitadas, mas desde quando isso impede alguém de criar grandes músicas? Para terem uma ideia, a baterista, Lislot Ha, passou um ano sem saber que era necessário afinar as peles da bateria. A banda chegou a ter homens na sua formação, mas, conforme relato das meninas, eles eram todos muito ambiciosos, queriam tocar certinho, dentro dos padrões. Não duraram muito no Kleenex.

Com os shows, o estilo Kleenex foi sendo aperfeiçoado. Se fosse defini-lo em uma palavra, seria "repetição". Se tivesse que que usar um complemento, usaria "barulho". Barulho repetitivo, eram assim os shows e as músicas. Mas tinham o toque feminino e o tempero pós-punk, eram audaciosas e criativas, gerando excelente músicas. Tanto é que, num mundo ainda não globalizado, onde era trabalhoso demais ter ideia o que estava acontecendo no estado vizinho, nem pensar no país vizinho, o John Peel e o fundador do Rough Trade, Geoff Travis, ficaram fascinados pelas garotas. Este último, acabou contratando-as para sua gravadora e lançando um dos grandes compactos do rocknroll, o You/Ü.


Esse single não tem lado A e lado B, mas sim um lado "amigável" (friendly side) e um lado "bravo" (angry side). Ainda, vem numa maravilhosa capa, usando o imaginário do PacMan misturado ao estilo pop do Lichtenstein.

O Friendly side, nos brinda com You, que realça o estilo inconfundível do Kleenex. Parte a e b que se repetem até o final da música, porém não cansa o ouvinte. O compacto chega ao fim e da vontade que durasse mas vinte minutos, pelo menos. Baixo presente, guitarras preenchendo os vazios do ritmo, vozes com chamada e resposta. Fica nítida a influência nas Riot Grrls, em especial o Bikini Kill.


Já o Angry Side, com Ü, trazendo aquele grito EEEEEEEEEEE, que fica repetindo durante a música, como um arranhado no disco, porém sempre no tempo. Grito esse também sempre presente nas bandas femininas - era como se o Kleenex estivesse mostrando que, sim, é permitido para as mulheres gritarem com raiva, agudo e sem medo de incomodar. Ou mesmo, talvez, querendo incomodar.


Grail Marcus é um historiador, filósofo e crítico musical muito bem conceituado na academia. Vale a pena ler seus livros, vão muito além do óbvio, traçando origens desde da idade média, passando pelo dadaísmo e outros movimentos. Ele dá uma importância intelectual e histórica ao punk que dá orgulho. Tem um livro, em especial, Lipstick Traces: A Secret History of the 20th Century, que trata desse tema e é maravilhoso. Foi convidado a fazer uma trilha sonora para o livro, limitada a dez músicas. Escolheu Ü, do Kleenex, prestigiando muito a banda e confirmando sua importância.

As meninas foram ganhando holofote mas, éis que entra a grande corporação Kimberly-Clark, multinacional fabricante de produtos de higiene, entre os quais aqueles lenços de papel conhecidos como Kleenex. Sendo uma marca proprietária deles, obrigaram as garotas a mudar de nome. Passaram a ser conhecidas como Liliput.


Para os que chegaram até aqui e querem mais, procurem nos streaming da vida o disco Kleenex/Liliput, com tudo que as meninas já gravaram. É muito bom!

 
 
 

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