Room to Move (Good Vibrations)
- André X
- 11 de mai. de 2018
- 3 min de leitura
Caso tivesse que escolher somente um compacto para levar para uma ilha deserta, esse seria o “Room to Move”, lançamento de 1979 do selo da Irlanda do Norte, Good Vibrations, contendo quatro faixas de quatro bandas obscuras. Acho esse lançamento um retrato perfeito do início do pós-punk e carrega um simbolismo muito grande desse biênio, 1978-1979, que este blog se concentra.
Irlanda do Norte, no final dos 1970s, era uma zona de guerra. A população católica queria se separar da Grã Bretanha e se juntar a Irlanda, enquanto a protestante queria permanecer. O Exército Republicano Irlandês (IRA) cometia ataques terroristas cada vez mais letais e sem sentido (como, por exemplo, uma bomba num ônibus escolar) e, do outro lado, os protestantes, com aval do governo central em Londres, criaram um apartheid para os católicos, confinando eles a certas áreas das cidades. Um clima realmente ruim. Lembro-me de andar por Londres, na época, e reparar que não haviam cestas de lixo, pois eram locais onde o IRA podia embutir bombas. Cartazes por toda cidade nos lembravam que estávamos num estado de tensão. Bolsas e mochilas deixadas em lugares públicos geravam pânico.
E mesmo assim, o punk uniu os jovens de ambos os lados, mostrando que a juventude sabe mais que os senhores das guerras. Nesse clima hostil, várias bandas apareceram, entre as mais famosas Stiff Little Fingers e Undertones. Esta última descoberta do selo Good Vibrations, que até no nome, roubado de uma música dos Beach Boys, tenta trazer um alívio à pressão social que vinham sofrendo.

Good Vibrations foi nasceu de uma loja de discos que ficava em cima de um pub, em Belfast, pelo Teri Hooley. O principal objetivo era divulgar para o mundo a cena punk e pós-punk irlandesa. O selo ficou famoso por descobrir os Undertones, mas eles têm muito mais crédito do que isso. Para aqueles que querem se aprofundar no trabalho desse selo maravilhoso, assistam o documentário aqui.
As quatro bandas desse single foram escolhidas a dedo. Três de Belfast, no Norte, e um de Dublin, no Sul. Integração, mais uma vez, por meio da música. Lado A abre com os Outcasts tocando Cyborg. Havia um fascínio nos 1970s por homens-máquinas. Tinha o Homem de 6 Milhões de Dólares na TV e vários robôs nos filmes de ficção. Essa música trata disso, um ser metade máquina, metade menino e menina. O arranjo das guitarras é muito bom, bem trabalhado, com um refrão contagiante. Sozinho, num lado A, já seria uma pérola.
Logo depois, temos o Shock Treatment com a fantástica Belfast Telegraph. Adoro quando, pouco antes do solo de guitarra, o vocal grita “shock treatment”! Eram fãs dos Ramones, como da para perceber pelo nome da banda, mas fazem um som muito mais elaborado.
Virando o disquinho, temo a abertura de Take Me, tocada pelos the Vipers. Eles tinham sua inspiração em outra praia, mais o pub rock, de Dr. Feelgood e Eddie & the Hot Rods. É a música mais pop do disco, mas muito bem feita. Talvez por morarem na Irlanda, independente da Grã Bretanha, longe da zona de guerra, façam um som menos agressivo.
Finalmente, fechando o single, uma de minhas músicas favoritas de todos os tempos: Snake and Ladders, do Big Self. Sabe aquele jogo de tabuleiro onde você vai movendo a peça conforme o número que deram nos dados? Então, lá na Inglaterra, tem um bem popular que quando o jogador cai numa escada, ele sobe para outro nível, e, quando cai numa cobra, ele desce. Snake and Ladders. O arranjo aqui é excepcional. Detalhezinhos de guitarra, sempre quebradas, e baixo descobertos a cada ouvida.
Tinha um K7, gravado de um programa do John Peel, que tinha essa música. Mas a gravação parava quando o saudoso DJ começava a falar e eu não sabia o nome da banda. Cada vez que dava um Google, só aparecia o jogo e uma música de outro grupo horrível. Passei literalmente décadas procurando. Éis que, numa garimpada, acho Cyborg, dos Outcasts, listando que lançaram num ep chamado Room to Move. Quando fui ver quem mais estava nesse ep, li Snake and Ladders (que eu sabia era o nome da música, claro, pelo refrão). Discogs, lance dado, e o disco é meu! Finalmente! Alegrias que só um colecionador vai entender.

Importante notar que, devido à falta de recursos, o Good Vibrations lançava discos em com a colaboração de outros selos. Nesse caso, o Energy, da Irlanda.

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